E é por isso que um grupo de escritores, críticos, jornalistas e
professores resolveu escolher os 10 mais importantes e significativos
poemas de autores brasileiros de todos os tempos.
Confira a lista e aproveite o conteúdo magnífico:
se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando quantos sentidos e intuições restavam a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para sempre repetimos os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte, a se aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisas. (Trecho de A Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade)
Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive
E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d’água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcaloide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada.
menos que escuro menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo escuro mais que escuro: claro como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma e tudo (ou quase) um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas azul era o gato azul era o galo azul o cavalo azul teu cu tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma entrada para eu não sabia tu não sabias fazer girar a vida com seu montão de estrelas e oceano entrando-nos em ti bela bela mais que bela mas como era o nome dela? Não era Helena nem Vera nem Nara nem Gabriela nem Tereza nem Maria Seu nome seu nome era… Perdeu-se na carne fria perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia (Trecho de Poema Sujo, de Ferreira Gullar).
Quero vivê-lo em cada vão momento E em louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.
E conversamos toda a noite, enquanto A Via Láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
O rio ora lembrava a língua mansa de um cão ora o ventre triste de um cão, ora o outro rio de aquoso pano sujo dos olhos de um cão.
Aquele rio era como um cão sem plumas. Nada sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água do copo de água, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água.
Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem.
Sabia da lama como de uma mucosa. Devia saber dos povos. Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras.
Aquele rio jamais se abre aos peixes, ao brilho, à inquietação de faca que há nos peixes. Jamais se abre em peixes.
Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar — sozinho, à noite — Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Na austera abóbada alta o fósforo alvo Das estrelas luzia… O calçamento Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento, Copiava a polidez de um crânio calvo.
Lembro-me bem. A ponte era comprida, E a minha sombra enorme enchia a ponte, Como uma pele de rinoceronte Estendida por toda a minha vida!
A noite fecundava o ovo dos vícios Animais. Do carvão da treva imensa Caía um ar danado de doença Sobre a cara geral dos edifícios!
Tal uma horda feroz de cães famintos, Atravessando uma estação deserta, Uivava dentro do eu, com a boca aberta, A matilha espantada dos instintos!
Era como se, na alma da cidade, Profundamente lúbrica e revolta, Mostrando as carnes, uma besta solta Soltasse o berro da animalidade.
E aprofundando o raciocínio obscuro, Eu vi, então, à luz de áureos reflexos, O trabalho genésico dos sexos, Fazendo à noite os homens do Futuro. (Trecho de As Cismas do Destino, de Augusto dos Anjos).
E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais de novo elas, serenas, Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada.
Também dos corações onde abotoam, Os sonhos, um por um, céleres voam, Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam, Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam, E eles aos corações não voltam mais.
Nobre apenas de memórias, vai lembrando de seus dias, dias que são as histórias, histórias que são porfias de passados e futuros, naufrágios e outros apuros, descobertas e alegrias.
Alegrias descobertas ou mesmo achadas, lá vão a todas as naus alertas de vaia mastreação, mastros que apoiam caminhos a países de outros vinhos. Está é a ébria embarcação.
Barão ébrio, mas barão, de manchas condecorado; entre o mar, o céu e o chão fala sem ser escutado a peixes, homens e aves, bocas e bicos, com chaves, e ele sem chaves na mão.
2. A ilha ninguém achou porque todos o sabíamos. Mesmo nos olhos havia uma clara geografia.
Mesmo nesse fim de mar qualquer ilha se encontrava, mesmo sem mar e sem fim, mesmo sem terra e sem mim.
Mesmo sem naus e sem rumos, mesmo sem vagas e areias, há sempre um copo de mar para um homem navegar.
Nem achada e nem não vista nem descrita nem viagem, há aventuras de partidas porém nunca acontecidas.
Chegados nunca chegamos eu e a ilha movediça. Móvel terra, céu incerto, mundo jamais descoberto.
Indícios de canibais, sinais de céu e sargaços, aqui um mundo escondido geme num búzio perdido.
Rosa-de-ventos na testa, maré rasa, aljofre, pérolas, domingos de pascoelas. E esse veleiro sem velas!
Afinal: ilha de praias. Quereis outros achamentos além dessas ventanias tão tristes, tão alegrias? (Trecho de Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima).
Confira a lista e aproveite o conteúdo magnífico:
- A Máquina do Mundo (Carlos Drummond de Andrade)
se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando quantos sentidos e intuições restavam a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para sempre repetimos os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte, a se aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisas. (Trecho de A Máquina do Mundo, de Carlos Drummond de Andrade)
- Vou-me Embora pra Pasárgada (Manuel Bandeira)
Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive
E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d’água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcaloide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada.
- Poema Sujo (Ferreira Gullar)
menos que escuro menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo escuro mais que escuro: claro como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma e tudo (ou quase) um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas azul era o gato azul era o galo azul o cavalo azul teu cu tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma entrada para eu não sabia tu não sabias fazer girar a vida com seu montão de estrelas e oceano entrando-nos em ti bela bela mais que bela mas como era o nome dela? Não era Helena nem Vera nem Nara nem Gabriela nem Tereza nem Maria Seu nome seu nome era… Perdeu-se na carne fria perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia (Trecho de Poema Sujo, de Ferreira Gullar).
- Soneto da Fidelidade (Vinícius de Moraes)
Quero vivê-lo em cada vão momento E em louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.
- Via Láctea (Olavo Bilac)
E conversamos toda a noite, enquanto A Via Láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
- O Cão Sem Plumas (João Cabral de Melo Neto)
O rio ora lembrava a língua mansa de um cão ora o ventre triste de um cão, ora o outro rio de aquoso pano sujo dos olhos de um cão.
Aquele rio era como um cão sem plumas. Nada sabia da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, da água do copo de água, da água de cântaro, dos peixes de água, da brisa na água.
Sabia dos caranguejos de lodo e ferrugem.
Sabia da lama como de uma mucosa. Devia saber dos povos. Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras.
Aquele rio jamais se abre aos peixes, ao brilho, à inquietação de faca que há nos peixes. Jamais se abre em peixes.
- Canção do Exílio (Gonçalves Dias)
Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar — sozinho, à noite — Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá.
- As Cismas do Destino (Augusto dos Anjos)
Na austera abóbada alta o fósforo alvo Das estrelas luzia… O calçamento Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento, Copiava a polidez de um crânio calvo.
Lembro-me bem. A ponte era comprida, E a minha sombra enorme enchia a ponte, Como uma pele de rinoceronte Estendida por toda a minha vida!
A noite fecundava o ovo dos vícios Animais. Do carvão da treva imensa Caía um ar danado de doença Sobre a cara geral dos edifícios!
Tal uma horda feroz de cães famintos, Atravessando uma estação deserta, Uivava dentro do eu, com a boca aberta, A matilha espantada dos instintos!
Era como se, na alma da cidade, Profundamente lúbrica e revolta, Mostrando as carnes, uma besta solta Soltasse o berro da animalidade.
E aprofundando o raciocínio obscuro, Eu vi, então, à luz de áureos reflexos, O trabalho genésico dos sexos, Fazendo à noite os homens do Futuro. (Trecho de As Cismas do Destino, de Augusto dos Anjos).
- As Pombas (Raimundo Correia)
E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais de novo elas, serenas, Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada.
Também dos corações onde abotoam, Os sonhos, um por um, céleres voam, Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam, Fogem… Mas aos pombais as pombas voltam, E eles aos corações não voltam mais.
- Invenção de Orfeu (Jorge de Lima)
Nobre apenas de memórias, vai lembrando de seus dias, dias que são as histórias, histórias que são porfias de passados e futuros, naufrágios e outros apuros, descobertas e alegrias.
Alegrias descobertas ou mesmo achadas, lá vão a todas as naus alertas de vaia mastreação, mastros que apoiam caminhos a países de outros vinhos. Está é a ébria embarcação.
Barão ébrio, mas barão, de manchas condecorado; entre o mar, o céu e o chão fala sem ser escutado a peixes, homens e aves, bocas e bicos, com chaves, e ele sem chaves na mão.
2. A ilha ninguém achou porque todos o sabíamos. Mesmo nos olhos havia uma clara geografia.
Mesmo nesse fim de mar qualquer ilha se encontrava, mesmo sem mar e sem fim, mesmo sem terra e sem mim.
Mesmo sem naus e sem rumos, mesmo sem vagas e areias, há sempre um copo de mar para um homem navegar.
Nem achada e nem não vista nem descrita nem viagem, há aventuras de partidas porém nunca acontecidas.
Chegados nunca chegamos eu e a ilha movediça. Móvel terra, céu incerto, mundo jamais descoberto.
Indícios de canibais, sinais de céu e sargaços, aqui um mundo escondido geme num búzio perdido.
Rosa-de-ventos na testa, maré rasa, aljofre, pérolas, domingos de pascoelas. E esse veleiro sem velas!
Afinal: ilha de praias. Quereis outros achamentos além dessas ventanias tão tristes, tão alegrias? (Trecho de Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Evite usar palavras obcenas, obigado